
Regresso ao trabalho com afasia: desafios, estratégias e esperança
O regresso ao trabalho é, para muitas pessoas com afasia, um marco fundamental no percurso de recuperação e reintegração na sociedade. No entanto, esta meta continua fora do alcance para a maioria. A evidência científica é clara: menos de um terço das pessoas com afasia regressa ao trabalho após um AVC. Este número representa uma desigualdade real — e um convite à ação.
Porquê falar sobre trabalho?
Muitos sobreviventes de AVC em idade ativa (18-65 anos) viviam vidas profissionais ativas antes do evento. A afasia, ao afetar a capacidade de falar, compreender, ler ou escrever, interrompe não só a comunicação, mas também o exercício de funções profissionais que dependem dela. E não é apenas a linguagem: dificuldades motoras, cognitivas, emocionais e visuais estão frequentemente presentes, tornando o regresso ao trabalho um verdadeiro desafio multifatorial.
Apesar disto, o desejo de voltar ao trabalho é comum entre as pessoas com afasia. Os estudos apontam que este regresso está associado a melhor qualidade de vida, maior autoestima, maior bem-estar emocional e até melhor recuperação funcional e cognitiva a longo prazo.
O que nos dizem os estudos?
Um conjunto de investigações recentes analisadas pelo IPA mostra uma tendência preocupante mas coerente:
As pessoas com afasia têm consistentemente piores resultados no regresso ao trabalho do que outras pessoas que sofreram AVC.
A taxa média de regresso ao trabalho nas pessoas com afasia ronda os 28–34%, enquanto noutros sobreviventes pode ultrapassar os 55%.
A afasia não é apenas uma limitação técnica, mas também uma barreira social: falta de conhecimento dos empregadores, ausência de adaptações no local de trabalho e de programas de reabilitação vocacional centrados na comunicação são obstáculos reais.
Além disso, os próprios sistemas de apoio à reabilitação frequentemente não incluem respostas específicas para quem vive com afasia, sobretudo ao nível da avaliação funcional da comunicação no contexto laboral.
Um guia para o caminho de volta
Um recurso educativo da American Congress of Rehabilitation Medicine (Gilmore et al., 2022) sintetiza de forma prática as cinco fases-chave para o regresso ao trabalho de pessoas com afasia, que podem servir de inspiração para uma abordagem estruturada também em Portugal:
Avaliação das capacidades e necessidades
Inclui avaliação médica, funcional, cognitiva, linguística e tecnológica, com apoio de terapeutas e especialistas em reabilitação vocacional.Definir objetivos realistas e motivadores
Refletir sobre capacidades atuais, preferências, oportunidades e direitos enquanto pessoa com deficiência.Preparação e treino prático
Voluntariado, estágios ou aprendizagem em contexto real, para consolidar competências e readquirir resistência e ritmo de trabalho.Ensaios e apoio no local de trabalho
Coaching, apoio na comunicação, adaptações e horários flexíveis são estratégias essenciais.Reavaliação e ajuste contínuo do plano
Envolver a equipa de reabilitação, empregador, família e cuidadores para adaptar o percurso sempre que necessário.
Este modelo reforça a importância de uma intervenção coordenada, flexível, personalizada e centrada na pessoa, algo que o IPA defende desde a sua fundação.
O que pode mudar?
A evidência mostra que, com o apoio certo, é possível inverter esta tendência. Entre as medidas urgentes a implementar destacamos:
Desenvolvimento de programas específicos de reabilitação vocacional com foco na comunicação funcional.
Avaliação individualizada da linguagem no contexto profissional.
Parcerias com entidades empregadoras dispostas a adaptar funções e acolher a diferença.
Apoio emocional e psicossocial durante todo o processo.
Sensibilização da sociedade para os direitos das pessoas com afasia — incluindo o direito ao trabalho.
No IPA, estamos comprometidos com a criação de soluções que respeitem as vontades e os ritmos de cada pessoa. Sabemos que a linguagem não define o valor de ninguém — e que participar ativamente na vida profissional deve ser uma possibilidade, não uma exceção.
Afasia não é o fim da vida profissional. Mas é preciso abrir portas!
No Instituto Português da Afasia:
✅️ Apoiamos as pessoas com afasia no seu percurso de reabilitação e autonomia;
✅️ Trabalhamos em parceria com organizações especializadas na integração profissional de pessoas com deficiência, para garantir apoio técnico e soluções personalizadas;
✅️ Facilitamos a comunicação com os empregadores e promovemos a sensibilização para ambientes de trabalho mais acessíveis. Veja um exemplo aqui
Queremos ouvir a sua história
Se tem afasia e está (ou esteve) à procura de trabalho, ou se é empregador e já acolheu alguém com afasia na sua equipa, partilhe connosco a sua experiência. Queremos aprender consigo e construir caminhos mais justos e acessíveis para todas as pessoas com afasia.
Referências
Burfein, P., Roxbury, T., Doig, E. J., McSween, M-P., de Silva, N., & Copland, D. A. (2024). Return to work for stroke survivors with aphasia: A quantitative scoping review. Neuropsychological Rehabilitation, 34(3), 367–394. https://doi.org/10.1080/09602011.2024.2381874
Graham, J. R., Pereira, S., & Teasell, R. (2011). Aphasia and return to work in younger stroke survivors. Aphasiology, 25(8), 953–967. https://doi.org/10.1080/02687038.2011.563861
Gilmore, N., Fraas, M., & Hinckley, J. (2022). Return to work for people with aphasia. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 103(7), 1249–1251. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2022.03.005
Pike, C., Kritzinger, A., & Pillay, B. (2017). Social participation in working-age adults with aphasia: An updated systematic review. Topics in Stroke Rehabilitation, 24(8), 1–13. https://doi.org/10.1080/10749357.2017.1366012
- by IPA
- on 13 de Maio, 2025
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