

Enquanto fundadoras do Instituto Português da Afasia (IPA), e terapeutas da fala com formação especializada em afasia, participámos no Nordic Aphasia Conference 2025 (NAC-2025), em Uppsala, na Suécia.
Voltamos com uma mala cheia de ideias e projetos inspiradores, aprendizagens, reflexões e um forte sentido de urgência. Voltámos também com um misto de orgulho e inquietação.
Orgulho, por percebermos uma vez mais que o trabalho do IPA está alinhado com as práticas internacionais mais recentes e inovadoras, apesar dos poucos recursos e apoios disponíveis.
Inquietação, por constatarmos que, em Portugal, a resposta às pessoas com afasia e seus familiares continua muito aquém do possível e do necessário — tanto no acesso a uma intervenção adequada às suas necessidades, como na produção e aplicação de conhecimento científico.
Cooperação para evolução é fundamental
O IPA tem vindo a implementar abordagens de intervenção baseadas na participação ativa das pessoas com afasia em diferentes processos, no treino de parceiros de comunicação (cuidadores formais e informais) e na promoção da acessibilidade a vários níveis. Contudo, a ausência de financiamento dedicado à investigação, e a inexistência de estruturas que apoiem a continuidade científica nesta área, têm um impacto evidente. São ainda poucos os terapeutas da fala com formação avançada (mestrado ou doutoramento) em afasia, e praticamente inexistentes os projetos financiados exclusivamente nesta temática, contrariamente ao que acontece em países como a Suécia, Austrália, Reino Unido ou Canadá onde o avanço da prática clínica é continuamente alimentado por investigação robusta e aplicada.
Outro ponto marcante foi o reconhecimento de que, nos países onde se registam maiores avanços, a colaboração entre universidades, centros clínicos, pessoas com afasia, familiares, investigadores de diferentes áreas e organizações comunitárias é uma prática cada vez mais comum. Em Portugal, pelo contrário, o trabalho desenvolvido é ainda frequentemente solitário e compartimentado — entre terapeutas, entre instituições, entre disciplinas… e claro, na investigação científica. Tal compromete a criação de respostas integradas e sustentáveis para desafios complexos tais como a mudança de modelos de intervenção, a criação de melhores respostas para a saúde mental e a reintegração social das pessoas com afasia ou a melhoria da acessibilidade comunicativa nos serviços públicos.

Veja-se o exemplo do projeto da Universidade de Queensland, liderado pela Prof. Kirstine Shrubsole, The Aphasia Implementation Toolkit Project, que desenvolve intervenções práticas para melhorar os serviços oferecidos a pessoas com afasia pós-AVC.
Ou ainda o projeto de co-design liderado pela Prof. Lisa Anemaat, também da Universidade de Queensland, que envolveu diretamente pessoas com afasia, familiares e profissionais na definição de prioridades para melhorar os cuidados — um modelo inovador refletido em várias publicações, como Anemaat et al. (2025). Clinical Rehabilitation, 39(3), 353–365.
Da teoria à prática: precisamos mudar
Ficou também evidente o contraste entre abordagens centradas nas pessoas com afasia e abordagens centradas nos seus familiares, amplamente discutidas no congresso, uma realidade ainda muito limitada em vários contextos portugueses. Em muitos serviços, a intervenção mantém-se centrada em exercícios linguísticos descontextualizados, pouco ajustados às necessidades reais de comunicação e participação social das pessoas com afasia e/ou dos seus familiares, tantas vezes excluídos ou ignorados neste processo. A avaliação continua, muitas vezes, limitada à medição de défices linguísticos, sem considerar os contextos funcionais ou objetivos pessoais. Em contraste, noutros países, há um investimento claro na criação de recursos para o treino de parceiros de comunicação, para melhorar a dinamização de grupos terapêuticos e no desenvolvimento de ferramentas que aumentam a confiança dos próprios profissionais para aplicar abordagens inovadoras.
Muitos dos trabalhos desenvolvidos e apresentados neste congresso foram fortemente centrados na intervenção com os parceiros de comunicação e no trabalho com as famílias — e ainda bem. É encorajador ver que mais estudos estão a surgir nesta área, que a evidência científica está a consolidar-se, e que há um movimento cada vez mais forte de validação e disseminação de práticas centradas na pessoa e família.

Um exemplo relevante é o projeto Familier med afasi på vej, desenvolvido pela Universidade do Sul da Dinamarca (Nielsen et al., 2024), que apresenta ideias de intervenção ao longo da vida com afasia, com foco na participação familiar. Este projeto está na base de dois doutoramentos em curso: um sobre apoio à saúde mental de famílias com afasia (Nielsen, S., 2024–2028) e outro sobre treino comunicativo em contexto familiar (Frølund, L., 2024–2028).
É neste espírito que destacamos também o trabalho das colegas da University College London, com o recurso de e-learning Better Conversations With Aphasia (Beeke et al., 2013), amplamente utilizado para treinar parceiros de comunicação.

A Terapia da Fala em Portugal é pouco reconhecida
Também nos parece urgente debater o lugar da Terapia da Fala no sistema de saúde português. Persistem lacunas graves, com escassez de terapeutas nas equipas hospitalares e comunitárias e pouco investimento na sua formação especializada. Esta realidade não só compromete a qualidade e continuidade da reabilitação, como dificulta e limita a produção científica nacional nesta área. Substituir terapeutas por outros profissionais menos especializados (como enfermeiros ou outros técnicos), apenas por escassez de terapeutas da fala, sem garantir uma formação especializada, adequada às necessidades individuais de cada pessoa e modelos de atuação baseados em evidência, é uma resposta claramente errada. Fazer “qualquer coisa” não deve substituir “fazer bem” — sobretudo quando estão em causa os direitos comunicativos e a qualidade de vida das pessoas com afasia e dos seus familiares.
Por fim, destacamos o crescente investimento em áreas como a afasia progressiva primária e o recurso à inteligência artificial na reabilitação da afasia. Estes avanços mostram-se promissores e merecem ser acompanhados com espírito crítico e abertura à inovação.
Destacamos, neste contexto:
- os contributos recentes de investigadoras como a Prof. Anna Volkmer (UCL) na criação de programas especializados para a afasia progressiva primária.
- o projeto Communication Connect, da La Trobe University, que recorre à inteligência artificial para apoiar a auto-gestão da comunicação por pessoas com afasia, através de ferramentas personalizadas.
- o projeto CHAT (Comprehensive High-dose Aphasia Treatment), da Queensland University, que propõe um modelo intensivo e funcional, descrito como “uma forma diferente de atuar” na reabilitação da afasia (Dignam et al., 2025).

Diretrizes europeias: um desafio a cumprir
Terminámos a conferência com uma reflexão sobre as novas diretrizes europeias para a reabilitação da afasia (European Stroke Organisation Aphasia Rehabilitation Guideline, Hilari et al., 2024), apresentadas pela Prof. Katarina Hilari e debatidas num painel moderado pelo Prof. Frank Becker. Estas diretrizes oferecem um enquadramento robusto, mas em Portugal muitas ainda estão longe de ser cumpridas.
O IPA defende que é essencial reconhecer essas lacunas e investir na sua análise sistemática, promovendo a adaptação e institucionalização de modelos centrados na funcionalidade, participação e comunicação.
O caminho faz-se caminhando!
Participar no NAC – 2025 reforçou a nossa convicção de que a transformação da realidade da afasia em Portugal exige articulação, compromisso e investimento estratégico. Não basta fazer bem — é preciso mostrar o que se faz, medir, divulgar e transformar conhecimento em influência. O desafio está lançado, e o IPA está pronto para continuar a construir pontes — dentro e fora do país.
Assunção Matos (PhD) e Paula Valente (MSc)
Terapeutas da fala e fundadoras do IPA


- by IPA
- on 13 de Junho, 2025
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