Afasia e o retorno à condução após o AVC: principais descobertas de uma revisão sistemática da literatura
No Instituto Português da Afasia (IPA), sabemos que retomar atividades diárias após lesão cerebral é uma prioridade para muitas pessoas, sendo a condução um dos desafios mais significativos. Conduzir representa autonomia e é uma capacidade prática que facilita o dia-a-dia, permitindo deslocações para consultas médicas, ir às compras, socializar e manter uma vida ativa. No entanto, para as pessoas com afasia, voltar a conduzir após a lesão cerebral pode ser um caminho repleto de dificuldades.
Recentemente, uma revisão sistemática da literatura (Wallace et al., 2024) explorou de forma abrangente os desafios e as lacunas na investigação sobre afasia e a condução após o AVC, fornecendo uma visão valiosa sobre as barreiras enfrentadas por esta população e identificando prioridades para o futuro.
Principais descobertas
O estudo de Wallace et al. (2024) revelou que as pessoas com afasia, as suas famílias e os profissionais de saúde consideram o retorno à condução como uma das 10 principais prioridades de investigação. No entanto, apesar desta necessidade identificada, os estudos existentes sobre afasia e condução após o AVC são escassos, desatualizados e de qualidade limitada. Consequentemente, não existem orientações clínicas claras e atuais, o que dificulta a orientação por parte dos profissionais e das próprias pessoas com afasia.
Entre os principais obstáculos encontrados, destacam-se três grandes barreiras enfrentadas pelas pessoas com afasia no processo de retorno à condução:
- Incerteza sobre o papel da linguagem na condução: embora a comunicação verbal seja frequentemente utilizada no processo de conduzir – como interpretar sinais e seguir instruções – ainda é incerto até que ponto a afasia, enquanto défice de linguagem, afeta diretamente a capacidade de conduzir em segurança. Esta incerteza deixa muitos profissionais de saúde hesitantes em tomar decisões claras.
- Pouco conhecimento sobre a afasia: muitos profissionais de saúde e mesmo familiares desconhecem as nuances da afasia e o modo como esta pode afetar a comunicação em cenários práticos, incluindo a condução. Esta falta de conhecimento dificulta parece interferir com a avaliação que é feita à capacidade de conduzir em pessoas com afasia.
- Exigências de comunicação na própria avaliação: o processo de avaliação e retorno à condução envolve, frequentemente, interações verbais e compreensão de instruções complexas. Em alguns tipos de afasia a comunicação pode ser um desafio, dificultando o cumprimento dos requisitos e procedimentos necessários.
Orientações para estudos futuros
Para melhorar o apoio a pessoas com afasia interessadas em retomar a condução, Wallace e os colegas (2024) apontam várias direções importantes para futuras investigações:
- Validade ecológica e contexto realista: os futuros estudos devem procurar recriar situações de condução realistas, reconhecendo a importância do contexto na comunicação de uma pessoa com afasia. Desta forma, estes estudos poderão fornecer recomendações mais aplicáveis à realidade das pessoas afetadas.
- Identificação e quantificação do problema: não se sabe ao certo quantas pessoas com afasia ficam impedidas de voltar a conduzir devido a barreiras comunicativas. Quantificar este problema ajudaria a compreender a sua dimensão e a justificar a criação de diretrizes específicas.
- Conhecer as consequências de deixar de conduzir: perder a capacidade de conduzir pode ter um impacto emocional significativo. Compreender a experiência vivida por pessoas com afasia que deixam de conduzir é essencial para desenvolver estratégias de apoio emocional e prático.
- Desenvolvimento de protocolos de avaliação aphasia-friendly: O estudo sugere a necessidade de adaptar os processos de avaliação para serem mais acessíveis às pessoas com afasia, por exemplo, usando perguntas de resposta “sim/não”, gestos e evitando termos complexos. Tais adaptações poderiam ajudar a avaliar de forma mais precisa a capacidade para conduzir.
O papel dos Terapeutas da Fala e da equipa Multidisciplinar
O estudo sublinha a importância dos terapeutas da fala, que desempenham um papel fundamental no apoio ao processo de retorno à condução para pessoas com afasia. Os terapeutas podem ajudar a adaptar o processo de avaliação para respeitar as limitações de comunicação dos pacientes e podem, também, colaborar com outros profissionais de saúde para assegurar que as necessidades comunicativas sejam devidamente atendidas.
Para além dos terapeutas da fala, é necessário o envolvimento de uma equipa multidisciplinar que inclua terapeutas ocupacionais, médicos e, eventualmente, instrutores de condução com formação específica para adaptar a condução às necessidades das pessoas com afasia.
Considerações Finais
A revisão sistemática de Wallace e colegas (2024) evidencia que o retorno à condução é uma questão complexa e importante para pessoas com afasia após um AVC. Embora existam obstáculos significativos, há também uma necessidade urgente de desenvolver práticas e guidelines baseadas em evidências para apoiar a tomada de decisão quer de profissionais, quer das próprias pessoas afetadas. No IPA, continuamos empenhados em acompanhar e divulgar as investigações mais recentes sobre este tema, procurando colaborar na criação de estratégias que promovam a inclusão e autonomia das pessoas com afasia.
O retorno à condução é mais do que uma questão de mobilidade – representa uma forma de independência, dignidade e reconexão com a comunidade. Por isso, é fundamental que este tema seja mais estudado e debatido.
Passos Práticos para avaliação da capacidade de conduzir
Para complementar o processo de retorno à condução, as pessoas com afasia podem ser avaliadas num centro de reabilitação especializado, como um Centro de Reabilitação. Aqui ficam os passos práticos que podem ser seguidos:
- Consulta no Centro de Reabilitação. Basta o médico de família encaminhar para uma consulta num dos Centros de Reabilitação com o objetivo de avaliação para a condução. Esta consulta está acessível a qualquer pessoa, mesmo que não tenha estado internada no Centro de Reabilitação.
- Simulador e Encaminhamento: Os centros possuem simuladores para testar competências relacionadas com a condução. Com base nos resultados, pode ser necessário encaminhamento para uma avaliação psicológica complementar.
- Formulários do IMTT: É importante verificar previamente se os formulários obrigatórios do IMTT devem ser levados para a consulta, ou se são disponibilizados diretamente no Centro de Reabilitação. Estes documentos incluem:
- Documentação necessária para o IMTT:
- Carta de condução.
- Cartão de cidadão (ou bilhete de identidade e NIF).
- Atestado médico.
- Certificado de avaliação psicológica.
- Relatório de avaliação física e mental.
- Taxa de 30€.
- Os formulários podem ser adquiridos através do site oficial do IMTT.
- Documentação necessária para o IMTT:
Este processo não só avalia as capacidades de condução, como também proporciona um ambiente estruturado para considerar adaptações que respeitem as necessidades específicas de comunicação e linguagem de pessoas com afasia. É uma etapa importante no regresso à condução e à autonomia.
Link com mais informações: http://www.imtt.pt/sites/IMTT/Portugues/Condutores/CartaConducao/Revalidacao/Paginas/DocumentoseProcedimentos.aspx
Revisão sistemática de livre acesso:
Wallace, H. E., Gullo, H. L., Copland, D. A., Rotherham, A., & Wallace, S. J. (2024). Does aphasia impact on return to driving after stroke? A scoping review. Disability and Rehabilitation.
Outras referências Bibliográficas
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Mackenzie, A., & Paton, R. (2003). An exploration of the perceived impact of aphasia on driving and the journey towards fitness to drive. Disability and Rehabilitation, 25(19), 109-118.
- by IPA
- on 3 de Janeiro, 2025
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